sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Virgens viram moeda de troca por um burro no Paquistão



 
O Paquistão, apesar de ser um dos poucos países do mundo capazes de fabricar armas nucleares, continua socialmente ancorado no feudalismo mais arcaico. Muitas de suas tribos dão mais valor aos animais domésticos que às mulheres, como deixou claro a decisão adotada por um conselho de notáveis locais (yirga) da província do Baluquistão, de saldar uma antiga disputa entre clãs com a entrega de 15 virgens entre 3 e 10 anos de idade.
O confronto foi provocado há oito anos por um cachorro do clã dos qalandaris que mordeu um burro dos chakranis. O cão devia estar com raiva e o asno morreu. Desde então esses dois clãs travam uma briga sem sentido que custou a vida de 13 pessoas: 11 qalandaris e um homem e uma mulher chakranis. A yirga pretendia com sua intervenção acabar com o derramamento de sangue, para o que recorreu a sua sentença mais ancestral: a oferta de impúberes em casamento, sem levar em conta a idade dos homens com os quais se casariam.
Os dois clãs pertencem à tribo bugti, uma das 130 que povoam o indômito território balúchi, onde cinco grupos armados disputam com o exército do Paquistão o controle das enormes reservas de gás dessa província, a maior do país (347.190 km2), a menos povoada (10 milhões de habitantes) e a mais atrasada.
O veredicto da yirga se adapta ao ditado em 2002 pelo então chefe da tribo, Nawab Akbar Jan Bugti, que para conter a série de mortes praticadas pelos chakranis depois da morte do burro os multou com o pagamento de 4 milhões de rúpias (cerca de 40 mil euros) e a “entrega em matrimônio de uma menina por mês”. Como donos do cão raivoso, os qalandaris deveriam pagar uma multa de 12 mil euros. Os chakranis não aceitaram.
O assassinato pelo serviço secreto paquistanês de Nawab Akbar Jan Bugti, em agosto de 2006, pôs a tribo, à qual pertencem 200 mil pessoas, em maiores dificuldades. A necessidade de pacificar seus clãs para ter uma estratégia comum diante das negociações com o novo governo democrático paquistanês, levou a yirga a se reunir para buscar uma solução definitiva para o conflito. De acordo com a tradição, decidiu que as meninas pagariam a dívida de sangue e selariam com seu sacrifício a reconciliação entre chakranis e qalandaris.
A sentença brutal, porém, causou revolta nos setores mais progressistas do Paquistão. O jornal “Dawn”, publicado em Karachi, a capital financeira do país, foi o que revelou a notícia, em 31 de maio passado. Segundo o “Dawn”, a maioria das meninas deveria se casar com homens de mais de 50 anos. Na realidade, o trato as transforma em escravas dos maridos, uma situação que vivem muitas mulheres paquistanesas, tanto nas áreas tribais como nas rurais das quatro províncias do país. Mulheres e meninas obrigadas por suas famílias a se casar com desconhecidos.
Esse jornal prestigioso é o veículo paquistanês que mais combate o feudalismo da sociedade, através da publicação de notícias sobre o pagamento de dívidas de sangue, tráfico, maus-tratos, seqüestros e assassinatos de mulheres e crianças.
Uma vez divulgado o veredicto do conselho de notáveis, a comissão de direitos humanos do Paquistão pediu não só a anulação da decisão, como também a “prisão imediata de todos os que participaram da yirga e de todos os que concordaram em pagar com meninas menores a solução de uma dívida tribal”.
Tanto a lei religiosa islâmica como a lei civil paquistanesa proíbem os matrimônios infantis, tão arraigados na tradição feudal do país. Segundo a lei islâmica (sharia), as mulheres só podem se casar depois da puberdade, e as de 3 a 10 anos são impúberes. Quanto à lei civil, não permite o casamento de menores de 16 anos.
Antonia Paradela, porta-voz da Unicef no Paquistão, comenta por telefone de Islamabad que desde 2004 essa organização da ONU para a infância assessora o governo paquistanês em questões legais, e que uma vez que existem leis colabora para que sejam aplicadas. Segundo Paradela, “o mais positivo” que se depreende do horror desse caso é “a conscientização cada dia maior da sociedade paquistanesa” contra essa barbárie, contra a qual na atualidade lutam diversas ONGs do país, apoiadas pela Unicef e outras organizações internacionais de ajuda à infância.
Em uma entrevista feita recentemente em Karachi com Musarrat Perveen, coordenadora da Madadgaar -uma das ONGs paquistanesas mais importantes na defesa das mulheres e crianças-, indicou que um dos maiores problemas que enfrentam é o seqüestro de menores para vendê-las, casá-las ou prostituí-las, tanto dentro como fora do país. “Temos registrados 6.886 casos desde 2000, mas esses são os que transcendem publicamente, o que representa multiplicar pelo menos por dez para saber o alcance real do problema”, afirmou.
Esse número inclui também meninos, muitos dos quais são seqüestrados para ser vendidos por valores que oscilam entre 300 e 4 mil euros, para ser escravos nas ricas monarquias e emirados do Golfo Pérsico e, sobretudo como ginetes de camelos. “Os sequestram inclusive com 4 anos para submetê-los a um duríssimo treinamento com o objetivo de que participem das corridas de camelos. Dão-lhes a menor dieta alimentar possível, porque quanto menos o ginete pesar e mais chorar, mais o camelo corre”, indicou Perveen.
O escritório que Syed Sarim Burney tem na sede em Karachi da Fundação Ansar Burney, da qual é vice-presidente, está cheio de fotos terríveis de mulheres deformadas pela brutalidade dos maridos, pais ou irmãos. “Uma das práticas quase habituais em caso de ciúmes”, indicou mostrando uma fotografia de mulher colocada sob o vidro da mesa, “é cortar seu nariz com uma navalha para que ninguém volte a olhá-la.”
Burney, especializado na defesa jurídica de mulheres maltratadas ou encarceradas por delitos cometidos pelos homens da família, tem documentados centenas de casos de mulheres assassinadas, queimadas ou submetidas a múltipla violação para, entre outros motivos, pagar pela infidelidade de seus irmãos. Mas apesar do horror descrito, assim como Perveen e Pardela, Burney afirma que essas práticas atávicas são cada dia mais rejeitadas pela sociedade paquistanesa, que exige dos governantes mão firme contra elas.
Fonte: Ceticismo.Net

As boas mulheres do Afeganistão

Algumas coisas horríveis são repetidas tantas vezes que nos deixam insensíveis. Bombas no Iraque e no Afeganistão, por exemplo. Uma bomba que causa a morte de dez pessoas no Afeganistão já virou “pé de página”, dada a frequência desse atentado. Eu confesso que cheguei aqui um pouco anestesiada em relação à situação das mulheres no Afeganistão. A gente ouve falar tanto sobre a burca, e o problema das afegãs que não podem estudar, que acaba se acostumando.
Mas nada como um banho de realidade. Ir a abrigos de mulheres vítimas de violência foi uma experiência, digamos, iluminadora. Conversar com essas mulheres nos faz ver como somos privilegiadas – podemos trabalhar, estudar, podemos não trabalhar por opção própria, se acharmos melhor só cuidar dos filhos, e podemos até cobrir uma guerra – vi muitas fotógrafas de guerra e algumas jornalistas ocidentais aqui no Afeganistão.
Antes de tudo, podemos ir na delegacia de mulheres ou simplesmente pedir o divórcio se o marido nos espancar regularmente. Isso parece óbvio, mas no Afeganistão, não é.
A situação da mulher afegã é muito mais horrível do que nós imaginamos. As meninas crescem achando que a violência é um direito natural do homem, e a subserviência, uma qualidade da mulher.
Cerca de 80% das mulheres afegãs são submetidas a casamentos forçados – e 57% casam antes de completar 16 anos, a idade mínima determinada por lei.
Uma pesquisa da entidade Women and Children Legal Research mostra que 17,2% dos casamentos forçados são motivados pelo Baad, uma tradição tribal que é ilegal. Para compensar famílias por algum dano, as jirgas, os tribunais dos líderes tribais dos vilarejos, determinam que o causador do dano dê sua filha à família do lesado como pagamento, ou Baad.Por exemplo, se um irmão ou pai comete um assassinato, a jirga se reúne e pode determinar que a irmã ou filha do assassino seja dada à família do assassinado.
Em outros 16,6% dos casos de casamento forçado, a filha é dada como pagamento de dívidas. Muitas vezes o pai é viciado em ópio, e dá a filha para pagar dívida de drogas. Outros 30,3% dos casamentos forçados são Shughar, ou troca de noivas – as famílias fazem intercâmbio de suas filhas. Isso é comum porque os maridos sempre precisam pagar para “comprar” uma noiva – no Norte, chega a ser US$ 5 mil.No Shughar, não há dinheiro envolvido, por isso muitas famílias preferem.
De acordo com o mesmo estudo, “Violência contra mulheres No Afeganistão”, de 2008, 58% das mulheres em casamentos forçados são espancadas pelos marido ou sofrem algum tipo de violência. Dessas, 12,5% contam já ter tido algum membro fraturado e 6,6% ficaram com deficiência física permanente.
Grande parte das mulheres é analfabeta e casa-se ainda na infância. Segundo a pesquisa, 38,2% das noivas têm entre 11 e 15 anos e 46,9% têm entre 16 e 20 anos. De acordo com a legislação afegã, só mulheres com mais de 16 anos e homens com mais de 18 podem se casar.
Na maioria das famílias, as mulheres precisam da autorização dos maridos para desempenharem qualquer tipo de atividade. Por isso, sem poder ter um emprego ou sair de casa, a maioria fica isolada e acaba não denunciando agressões dos maridos.
Divórcio não é uma opção. Em 2006, o último ano com dados disponíveis, houve 158 divórcios no país inteiro. As mulheres precisam da aprovação dos homens para se divorciar (o inverso não se aplica). E para isso, eles costumam exigir a guarda dos filhos e algum pagamento em dinheiro.
Ou seja, além de reconstruir um país devastado por 30 anos de guerra, os americanos terão de lidar com a situação das 11,5 milhões de mulheres – metade da população do país – que são invisíveis e não têm direitos. Acho difícil o país voltar a algum tipo de normalidade sem lidar com esse problema.

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