A
mulher ainda vive, nos dias atuais, num clima de opressão e submissão, sendo
violentada das mais variadas formas. Ainda está longe da prática a alegada
igualdade de direitos entre homens e mulheres. O fenômeno é mundial, mesmo em
países considerados de primeiro mundo, onde o progresso intelectual e econômico
é notório, a discriminação é uma realidade. Desigualdade de salários no Japão,
pensões inferiores na Inglaterra, violência física na Suécia e exploração nos
trabalhos domésticos na Alemanha, especialmente das mulheres estrangeiras.
A
violência contra a mulher remonta à Antigüidade, cabendo esclarecer que o termo
violência é tomado em sentido amplo, para abranger todas as formas.
A
história da humanidade é uma história de lutas pelo poder, pelo domínio.
A
mitologia greco-romana nos oferece relatos dessas lutas em todos os níveis. Os
homens disputam entre si, os deuses disputam entre si, os deuses disputam com os
homens. Os mais fortes subjugam os mais fracos que devem ser servis, humildes e
obedientes. As mulheres não ficam fora desse contexto. Muito são os relatos de
sedução, de estupro e de violência contra a mulher. Os deuses se disfarçam e
descem até os campos com o fim de seduzir as ninfas enganado-as ou
estuprando-as.
Conta a mitologia grega criação dos homens por Prometeu e da mulher pelos deuses
do Olimpo que, sentindo-se ameaçados de perder seu poder, tiveram a brilhante
idéia criarem a mulher para levar os homens à perdição.
Por
esta razão foi criada, a partir de uma estátua de bronze uma forma humana, capaz
de sensibilizar e encantar o homem e que recebeu de cada deus um dom. Apolo lhe
deu a voz macia, Mercúrio lhe deu a língua, Atena lhe ofertou um belíssimo
vestido que permitia perceber suas formas suaves, Vênus lhe deu a beleza
infinita, e assim, recebendo dons que a deixavam cada vez mais formosa, foi
criada Pandora. De Zeus, Pandora recebeu uma caixa que deveria entregar aos
homens. Com a missão de destruir a raça humana, Pandora desceu a terra,
encontrando Epimeteu que se apaixonou perdidamente encantado com sua beleza e
formosura. Esquecendo a promessa que havia feito ao seu irmão Prometeu que nunca
receberia nada que fosse dado por Zeus, Epimeteu recebe de Pandora a caixa na
qual foram colocados todos os males da humanidade, como o orgulho, a ambição, a
crueldade, a traição, as doenças, as pestes... No fundo da caixa havia um único
bem capaz de salvar a humanidade, a esperança. Mas a um gesto de Zeus, após
saírem todos os males, Pandora fecha a caixa impedindo que a esperança seja
recebida pelos homens. Assim, perdeu a raça humana, o paraíso e a felicidade que
poderia conquistar com sua inteligência e seu trabalho. Culpa da mulher.
O
relato bíblico da perda do paraíso tem na mulher a grande vilã. Eva descumprindo
ordem de Deus toma do fruto proibido, tenta Adão levando-o a comer do fruto. O
resultado é de todos conhecido. O pobre homem foi vítima da astuta mulher.
A
idéia de grandes pensadores do passado acerca da mulher, nada tem de lisonjeiro.
Vejamos:
Eurípedes considerava a mulher como “Vítima de irremediável inferioridade
mental”.
Pitágoras, filósofo grego que deu grande impulso à matemática dizia: “Existe o
princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e o princípio mau que criou o
caos, a treva e a mulher”.
Aristóteles expressava o pensamento comum da época da seguinte forma: “A mulher
é mulher em virtude de uma deficiência, que devia viver fechada em sua casa e
subordinada ao homem”.
Shopenhauer, filósofo alemão, diria, muitos séculos depois: “A mulher é um
animal de cabelos longos e idéias curtas”.
Com
Jesus, tem início o longo e penoso trabalho de resgatar a dignidade da mulher.
Foi o grande revolucionário judeu que deixou claro que a mulher, da mesma forma
que o homem tinha uma alma e que poderia alcançar o reino dos céus.
Jesus, rompendo com os preconceitos da época, dialogava com as mulheres, a
exemplo da samaritana, de Joana de Cusa, de Marta e de Maria, irmãs de Lázaro.
Jesus não apoiou o apedrejamento da mulher adúltera, e aqui abrimos um parêntese
para lembrar que ao lado de uma mulher adúltera existe um homem adúltero.
A
prostitua de Magdala conversou com Jesus em público, numa demonstração
inequívoca de que os preconceitos deveriam ser superados.
No
entanto, sob a forte influência do judaísmo, com Paulo de Tarso, o cristianismo
se desenvolve considerando a mulher a perdição do homem, a responsável pela
perda do paraíso. Eis porque grandes filósofos ligados à Igreja tinham uma visão
nada cristã da mulher, assim expressando-se:
Tertuliano: “Mulher és a porta do diabo. Persuadiste aquele que o diabo não
ousava atacar de frente. É por tua causa que o filho de Deus teve de morrer;
deverias andar sempre vestida de luto e de andrajos”.
São
João Crisóstomo: “Em meio a todos os animais selvagens não se encontra nenhum
mais nocivo que a mulher”.
São
Tomás de Aquino: “A mulher é um ser “ocasional” e incompleto, uma espécie de
homem falhado”.
Santo Agostinho: “A mulher é um animal que não é seguro nem estável; é odienta
para tormento do marido, é cheia de maldade e é o princípio de todas as demandas
e disputas, via e caminho de todas as iniqüidades”.
Nada mais violento que as expressões desrespeitosas desses pensadores, a
respaldar ações de igual teor.
Eis
os arquétipos predominantes em todas as sociedades da atualidade. A mulher é a
causadora de toda desonra e de todo o mal, deve, pois sofrer.
O
homem se acha superior à mulher em inteligência, capaz de fazer com melhor
qualidade as coisas relacionadas com as atividades intelectuais, que exigem
raciocínio lógico, e que a mulher além de inferior intelectualmente deve ser
submissa. É a predominância do jogo de poder do qual ainda não se liberou.
Detentor de um profundo egoísmo, o homem quer ser servido e vê na mulher uma
serviçal para as tarefas consideradas inferiores como cozinhar e lavar roupas,
cuidar da casa e dos filhos, além de transformá-la em objeto de seus desejos e
prazeres sexuais, desconsiderando os desejos, os prazeres e o bem estar dela.
Esta idéia mesquinha leva-o a pratica de toda sorte de violência contra a
mulher, independente de idade, grau de instrução e condição social.
Pesquisas revelam que a violência contra a mulher ocorre em todo o mundo e em
todas as camadas sociais, que vai desde a discriminação com a mulher solteira,
com a virgindade, a desigualdade salarial para exercício de funções iguais,
exploração sexual, até o espancamento e o homicídio.
As
formas mais comuns de violência são:
Violência física
|
Lesão corporal – espancamento – art. 129 CP
Tentativa de homicídio – art. 120 CP
Homicídio – art. 121 CP
|
Violência sexual
|
Estupro – art. 213 CP
Assédio sexual – art. 216 A CP
Atentado violento ao pudor –art. 214 CP
Sedução – art. 217 CP
Rapto – art. 219 CP
Importunação ofensiva ao pudor – art. 61 LCP
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Violência emocional/moral
|
Agressões verbais
Pressões
Ameaças – art. 147 CP
Induzimento ao suicídio – art. 122 CP
|
Discriminação profissional
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Diferença salarial - art. 5º e 7º, XXX, CF.
Desigualdade de oportunidade de crescimento
- art. 5º e 7º, XXX, CF.
|
Discriminação racial
|
Preterição de emprego em razão de cor ou
raça - art. 5º e 7º, XXX, CF.
Deixar de vender em razão de cor ou raça
Racismo – Leis 7.716/89 e 8.081/90
|
Outras discriminações e violências
|
Religião – art. 5º CF
Ideologia política – art. 5º CF
Problemas de saúde física ou mental - art.
5º e 7º, XXXI, CF.
Aparência – art. 5º CF
Destruição de documentos – art. 305 CP
Calúnia – art. 138 CP
Difamação – art. 139 CP
Injúria – art. 140 - CP
|
Inexistem dados precisos acerca da violência praticada contra a mulher no
Brasil.
No
entanto, pesquisas revelam que no Brasil, de cada 100 mulheres 25 sofrem
violência física, das quais 90% acontecem no ambiente familiar. Vê-se, de logo,
o alto índice de violência doméstica, a maioria praticada pelos maridos ou
companheiros, padrastos, pais e irmãos.
Tais pesquisas ainda evidenciam que a maioria dos casos não é denunciada,
havendo denúncia de apenas 1/3.
As
mulheres têm medo de sofrer represálias, temem um escândalo com abalo de sua
reputação no meio social, ou não sabem a quem recorrer. Insegurança, medo,
indiferença das autoridades públicas e da sociedade, impunidade, dentre outros
fatores, contribuem para que não haja a denúncia.
Julgo importante registrar que a mulher tem contribuído para manter essa
situação, seja pela apatia com que recebe a violência ou vê violentadas outras
mulheres, sem mobilização para qualquer tipo de reação e apoio, seja por aceitar
sem questionar, padrões impostos pela mídia e pelo poder econômico, com vistas
ao consumo, transformando-se, não raro, em objeto e símbolo sexual. A felicidade
deixou de ser conseqüência de uma vida estável emocionalmente e realizada
profissionalmente, com a satisfação das necessidades básicas e fundamentais de
afeto, carinho, alimentação, habitação, instrução, cultura e lazer, de
crescimento espiritual, enfim, de uma vida digna como ser humano, para estar na
posse, no poder, na beleza e na juventude. A mensagem sub-reptícia que é passada
pela mídia, é que para ser feliz, a mulher tem que consumir tais ou quais
produtos, “malhar“ “x” horas por dia, usar roupas desta ou daquela grife, tomar
café “magro”, enfim, tudo que lhe proporcionará posse, poder, beleza e
juventude, comprando ilusão para mascarar uma realidade difícil, num processo de
auto-anestesiamento.
Impõe-se despertar. A felicidade está na harmonia de uma convivência familiar e
social de respeito, de solidariedade e de complemento.
Homens e mulheres são iguais em direitos, mas diferentes em funções. O homem não
pode exercer a maternidade. A gestação e o parto são funções tipicamente
femininas. A amamentação é função da mulher que tem organização física diferente
da organização física do homem. Há, portanto, diferenças como estas que têm que
ser observadas, respeitadas e tuteladas pela lei. Compreendendo estas diferenças
e que elas se complementam, os sexos opostos devem viver em comunhão, num
processo de doação recíproca, para que sejam felizes, e não em disputa pelo
poder e pelo domínio.
Compreender esta realidade é questão de educação e de conscientização.
Lembremos que podemos tirar da caixa de Pandora a esperança, colocá-la em nossos
corações para enfrentar o grande desafio de acabar com a violência sob todas as
modalidades, em especial a violência contra a mulher.
O
trabalho será árduo e ainda demandará tempo, mas de braços cruzados nada
faremos. Organizemos-nos, portanto, e vamos à luta.
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